8 de março de 2008

Escola especial para aspies?

Nos últimos dias estou recebendo muitas notícias sobre inaugurações de projetos municipais voltados para o atendimento de crianças especiais (inclusive superdotados, então não entendam esse "especiais" como sinônimo de "deficientes"). Talvez isto seja decorrente da proximidade das eleições municipais, mas de qualquer forma acredito que com o aumento destes espaços nós deveríamos refletir sobre a sua utilidade para os aspies.

O prefeito Junji Abe inaugurará nesta quinta-feira (06/03), o Centro de Atendimento ao Portador de Necessidades Educacionais “Ricardo Strazzi” – Pró-Escolar. O prédio, uma iniciativa pioneira na região, atenderá crianças, jovens e adultos em um espaço moderno e bem estruturado, que será uma referência para o trabalho com educação inclusiva no Brasil.

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O Pró-Escolar atenderá deficientes visuais e auditivos, crianças com distúrbios psiquiátricos, como psicose e autismo e alunos com altas habilidades, os superdotados. Todos os andares têm acesso por rampa e o piso é pintado em cores contrastantes, amarelo e azul, de acordo com as indicações técnicas do Metrô de São Paulo.

Um item que chama a atenção é o espaço que reproduz uma casa. O espaço “Nosso Lar” – com fogão, geladeira, cama, entre outros móveis – será usado para dar autonomia ao aluno, o que, por vezes, muitas famílias não têm condições de proporcionar. (KCB)

A escola Municipal de Educação Especial Maria Lúcia Luzzardi, deu início ao ano letivo proporcionando aos professores o "Curso de formação continuada de docentes". A idéia é de aperfeiçoar conhecimentos e técnicas de ensino com alunos portadores de autismo e síndromes associadas (grifo meu).

A Prefeitura de João Pessoa inicia o mês de março com mais uma seqüência de obras e diversas ações para a população. A Capital ganhará uma nova escola com dez salas de aula, uma creche, três Unidades de Saúde da Família, duas Estações Digitais, duas creches, a sede do Centro de Referência Municipal de Inclusão à Pessoa com Deficiência, além da entrega de 117 casas reconstruídas.

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No dia 25, a população vai ganhar o Centro de Apoio Psicossocial-Infantil. O equipamento atenderá portadores de transtornos mentais, com psicoses, neuroses e autismo entre 0 a 17 anos e 11 meses, oferecendo projetos terapêuticos específicos às necessidades de cada usuário.
Fonte: Paraiba.com.br

A escola especial é vista geralmente, tanto pelos aspies quanto pelos seus pais, como uma oportunidade de convivência em um ambiente onde o aspie não seja vítima da incompreensão e preconceito que, principalmente entre adolescentes, pode se manifestar em formas de tratamento muito cruéis (piadas, deboches e a total exclusão de qualquer grupo social, por exemplo). Se as pessoas em geral têm dificuldades para conviver com pessoas diferentes, entre os adolescentes isto pode ser ainda mais forte.

Em contraste, uma escola especial pode ser um ambiente com uma aceitação muito maior, seja pelos alunos que estão lá, que em geral não preenchem os padrões convencionados de “normalidade” e, portanto, tendem a não exigir tanto isso dos outros, seja por eles serem acompanhados de profissionais que trabalham para incentivar esta aceitação.

No entanto outra questão deve ser levada em consideração: a escola especial é um ambiente de exceção, enquanto a escola normal é um ambiente, por assim dizer, “comum”. A função da escola não é a de mero lugar de absorção de conteúdo didático sistematizado, mas um local de desenvolvimento de nossas habilidades sociais, o local onde saímos do pequeno contexto familiar e entramos em contato com a sociedade, sociedade esta que, boa ou má, teremos que conviver ate o final de nossas vidas. Este aprendizado pode ser mais difícil para as pessoas com Síndrome de Asperger do que o das próprias aulas em si.

A escola normal é um ambiente que propicía um aprendizado mais efetivo neste sentido. As pessoas com que convivemos na escola normal representam o tipo de pessoas que teremos que conviver na maior parte do tempo nos ambientes que precisaremos freqüentar mais tarde, como o trabalho, e portanto é a primeira oportunidade de nos acostumarmos com elas (mesmo que não nos interessemos muito em conviver com a maior parte delas). No entanto, justamente por este ambiente ser mais real, ele é também mais duro, muito mais duro.

A escola especial, na direção oposta, pode ser um ambiente de muita aceitação, um lugar onde o aspie pode ser alguém “comum”, e isto é consolador. No entanto as mesmas circunstâncias que proporcionam ao aspie um ambiente mais confortável podem levá-lo à alienação, a partir do momento em que este ambiente é um mundo a parte, muito diferente do mundo em que ele terá que enfrentar mais tarde. Uma pessoa que sai de uma escola vendo a si e o mundo de uma forma e então parte para outros ambientes (como o trabalho ou a faculdade) pode ter um grande choque ao perceber que a sua idéia do mundo não corresponde ao que ele vai ter de enfrentar dali para a frente, e então ele terá que começar a buscar entender este mundo em um momento em que a sociedade pressupõe que ele já o conheça.

Porém um outro aspecto é a própria auto-estima do aspie. É difícil em um momento ou outro não sermos vítimas de rejeição na escola normal, ou mesmo o bullying, e dependendo da forma com que cada um lida com essa rejeição ele pode se tornar uma pessoa amargurada, traumatizada, e a partir disto o seu desenvolvimento será mais prejudicado do que incentivado na escola normal.

Resumindo, uma escola ideal seria aquela onde uma pessoa pudesse estudar suas disciplinas, fazer amigos e aperfeiçoar o seu relacionamento com a sociedade. Isto inclusive está definido em Lei Federal:

Art. 1º A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais.

§ 1º Esta Lei disciplina a educação escolar, que se desenvolve, predominantemente, por meio do ensino, em instituições próprias.

§ 2º A educação escolar deverá vincular-se ao mundo do trabalho e à prática social.


Fonte: Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

É preciso dizer que a maioria das escolas estão muito longe de alcançar o nível exposto nestas determinações legais, daí torna-se necessário que os pais e profissionais possam definir juntos qual ambiente trás uma realidade mais próxima desse ideal.

Pessoalmente acredito que uma escola especial combinada com atividades extra curriculares em ambientes “normais” seria uma boa opção, de forma que se possa extrair o melhor dos dois tipos de ambientes.

É preciso lembrar também que a escola é apenas um dos ambientes educacionais que uma pessoa freqüentará, e o primeiro deles é a família (a lei citada acima coloca isto também), a educação de alguém não pode ser confiada exclusivamente a escola.

Opiniões de aspies, pais e profissionais são bem vindas nos comentários.

10 comentários:

Anônimo disse...

olá Mauricio, aqui é Ana,td bem, novamente te parabenizo pelo blog,sua dedicação é muito importante para nós, pais.(meu filho esta com 12 anos) diagnosticado desde os 3 anos. ele estuda numa escola normal só que o método é montessoriano, antes havia tentado o método tradicional, mas ele não acompanhou, hoje esta no 7 ano, mas precisou fazer terapia e toma medicamento para estabilizar seus momentos, o importante é acima de tudo pais e escola se entenderem,onde a criança seja compreendida e tenha seu tempo respeitado, para se sentir segura.abraços ANA

Anônimo disse...

Olá Ana, obrigado pela visita. A melhor coisa de ter um blog é que não só eu posso colocar meus pensamentos, como posso também aprender com as coisas que vocês trazem nos comentários, não conhecia esse método montessoriano, mas o achei muito interessante, deixo um link para quem se interessar:

Método Montessoriano

Eu acredito que a escola me teria sido mais útil se os professores tivessem dado mais liberdade para eu buscar a informação, sempre penso nisso.

Obrigado.

Anônimo disse...

Olá mauricio, sabe, desde que meu filho foi diagnosticado com a sindrome, eu me dedico a cada vez mais me informar, me atualizar sobre os aspies, ele ainda não tem muita conciência das diferenças , sabe que pensa um pouco diferente dos outros, que tem seu tempo, é distraido, meio desajeitado, anda na ponta dos pés, toma medicamnetos, mas ele é tão dono da personalidade dele, é tão convicto de suas decisões que é impossivel deixar de admirar suas capacidades e como se entrega aos seus interresses,Acho que os que se dizem normais deviam dar um tempo às convenções.hoje não brigo mais com a sindrome, valorizo-a como um tesouro e acho que é assim que deve ser.viva e deixe viver...abçs ANA

Anônimo disse...

E continuando, estou adorando seu blog, e aprendendo muito com as informações, visito sites de portugal mas acho que o pessoal lá é meio deprimido ainda brigam muito com a sindrome, eu sei que não é facil, qdo falo, brigar com a sindrome me refiro á querer vivar um aspie do avesso (muda-lo totalmente, como arrancar sua alma e colocar outra), é complicado, já chorei muito, já entrei em pânico, mil reviravoltas mas é assim que a gente aprende, meu filho aos 12 anos sabe tudo de computador, ama jogos, navega na internet em sites em inglês^aprendeu sozinho a ler inglês jogando, adora cinema especialmente diretores e filmes de guerra, e vendo VC um aspie se dedicando a ajudar quem procura ajuda é muito legal, é muito gratificante, espero que quando vc quiser, relate mais sobre vc, como os autores dos livros, ainda achei impressionante o GUIA DE SOBREVIVÊNCIA, só quem conhece sabe a importância que ele tem. abraços carinhosos ANA

Anônimo disse...

Ana, então eu acho que também não tenho muita consciência das diferenças, pois não me acho tão diferente quanto a maioria das pessoas me acha :-P

Eu leio blogs portugueses, penso que você tem razão, mas penso que aqui no Brasil esta mentalidade de tentar mudar o aspie é tão presente quanto lá. Em geral eu não gosto de conversar com pais de aspies por causa desta visão, por isso eu até achei meio estranho quando vi pessoas como você por aqui. Eu tenho idéias que desagradam a maioria destes pais.

Eu fico feliz pelo seu filho ter um ambiente que incentive a ele desenvolver as suas habilidades, sei o quanto isso faz diferença.

Acho que desmistificar a Síndrome de Asperger é uma forma de ajudar a mim mesmo também.

Eu tenho algumas ressalvas quanto a colocar informações pessoais aqui, em primeiro lugar porque a minha família não sabe do meu diagnóstico, em segundo lugar porque este não é um blog pessoal (apesar de informal), e em terceiro porque eu tenho receio de ficar vinculado à rótulos.

Obrigado novamente!

Anônimo disse...

Gostaria de saber quem é voce, Mauricio?
Achei interessante esse bate-papo, em geral não participo de "conversas", no entanto, esse lugar é importantíssimo na desmistificação e aceitação do que venha a ser o Asperger...

Anônimo disse...

A sua familia nao sabe do seu diagnostico?
Que chato! Acho que a conscientização é o primeiro passo para a emancipação, segundo uma norte-americana...

Anônimo disse...

Em algum momento, quando tiver coragem, vou escrever um "quem sou eu" e publicar aqui.

Desmistificar é o que eu quero tentar fazer neste blog.

Nos moetnos em que tentei explicar as minhas diferenças para as pessoas vi que este é um trabalho improdutivo. Precisamos de uma desmistificação pública.

O meu receio em tornar público para o meu meio é o de não ser tratado como pessoa normal, seja no sentido da exclusão como no de receber "benefícios" pro conta de minha diferença. Realmente não quero isso. Quero uma vida real, com os mesmos problemas e alegrias de qualquer outra pessoa.

Anônimo disse...

Olá, Maurício!

Felizmente cheguei a seu blog. Procurava informações práticas sobre linguagem não-verbal que pudessem me ajudar a ensinar meu filho aspie de 12 anos quando encontrei o guia. Queria lhe agradecer. O site é um estímulo aos pais que como eu buscam a independência de seus filhos. Vou aproveitar para falar de um livro que não vi mencionado no seu blog. O livro chama-se "Síndrome de Asperger e a Escola Fundamental" de Susan Thompson Moore, traduzido por Inês de Souza Dias e publicado pela Associação Mais 1. Vale a pena ler pois explica de maneira prática e objetiva aquilo que eu entendia intuitivamente pela convivência. Eu encontrei por acaso no site da AMA (Associação de Amigos do Autista) e está a venda pela internet através do link abaixo:

http://www.ama.org.br/index_n.php?page=pgm024a&pagina=0&item=19

Com certeza estarei navegando por aqui mais vezes.

Obrigada.
Angela

Lia marchiori disse...

Ola Mauricio, meu filho foi diagnosticado asperger aos 10 anos, agora ele tem 11, e com tratamento adequado ele tem se saído muito bem na escola tradicional e já tem alguns amigos que realmente gostam dele e frequentam a nossa casa. O que mais me importa é que ele seja feliz um dia ( hoje ele parece bastante feliz, mas me pre3ocupo com o futuro). Vc acha que o fato de ter a sindrome vai fazer com que ele se sinta sempre com o sentimento de não pertencer a nenhum grupo?O sentimento de "nao pertencimento" é extremamente doloroso, por isso queria saber como vc, que é adulto, se sente, se vc não se incomodar em nos contar.
abs, Lia